Páginas

domingo, 5 de junho de 2011

XLO street journal 2006


Há uma moda, nossa contemporânea, que diz que o estado funciona mal (porque sim) e a privada funciona bem (porque sim).
No caso português sabemos bem que o estado e a privada funcionam ambos mal por motivos semelhantes (desonestidade e incompetência, por exemplo).
Recentemente transferi na privada uma doente para um centro de reabilitação afiliado duma grande empresa portuguesa. Não se trata de um lar - trata-se de um centro de reabilitação (tipo Alcoitão, salvo as devidas diferenças). A doente estava num hospital privado, melhorou mas não estava em condições nem de viver sózinha nem de ir imediatamente para um lar. Por isso foi aceite no dito centro de reabilitação.
Dada a idade e a patologia em causa não viverá muito tempo. Era contudo evidente a vantagem de prosseguir com fisioterapia e cinesiterapia respiratória.
Eis se não quando me apercebo que o dito centro de reabilitação tinha uma regra interna, imposta pela administração e ACEITE pelos médicos, segundo a qual se a doente se ausentasse do referido centro (por exemplo para ir almoçar com a família no dia do seu octagésimo sexto e último aniversário) seria expulsa do centro.
A lógica da referida administração é simples, direta, linear (e estúpida) : se estás tão bem que podes pôr o pezinho fora do centro uma vez que seja, então marcha para o lar que se faz tarde.
Falei com a médica e tentei explicar-lhe coisas que no século XXI pensei não ter de explicar a médicos :
1) Que até os hospitais de agudos deixam os doentes sair de fim-de-semana.
2)Que num doente na fase final da sua vida é desejável dar-lhe qualidade de vida acima de tudo.
3)Que a depressão secundária ao enclausuramento hospitalar diminui a colaboração na fisioterapia PROLONGANDO o internamento (e a despesa).
4)Que o referido enclausuramento agrava o delirium destes doentes idosos e isso
diminui a colaboração na fisioterapia PROLONGANDO o internamento (e a despesa).
5)Que o acréscimo de imobilidade que resulta do anterior (e é diminuída pela saída "para almoçar com filhos e netos") aumenta o risco de Flebotrombose / TEP, de Obstipação, de Pneumonia Nosocomial, com incremento do risco de re-transferência para hospital de agudos privado - e concomitante incremento da despesa para a PT.
6) Que a doente não está internada como castigo mas porque essa é a única maneira de garantir os cuidados de fisioterapia e enfermagem indispensáveis à retoma da autonomia parcial nas AVD.
7) Que nós os médicos temos por objectivo último dar saúde e vida e devemos levar esses desideratos a sério.
Etc, etc numa conversa prolongada que não conseguiu demover a colega. Afinal de contas a colega tinha na cartola um argumento intransponível : tinha sido sempre assim (se agora mudassem é porque tinham andado a fazer as coisas mal feitas e ISSO NUNCA! ...onde é que eu já ouvi isto?...). Uma questão de tradição portanto. Mas principalmente tinha o "argumento- bomba -atómica" : a ADMINISTRAÇÃO não gostava ou não queria ou o raio.
Nós que fomos expostos no tempo dos hospitais SA a administrações constituídas por "gestores profissionais" que nada sabiam de saúde, percebemos bem essa gente : Pedras com olhos vezes demais.
Digam-me agora que temos uma iniciativa privada com chefias competentes, imaginativas, dinâmicas e que o "país" não avança só por causa do estado.

Sem comentários:

Enviar um comentário