Tive dois doentes já de alguma idade que sofriam de déficite de audição. Quando digo déficite de audição não me refiro a hipoacúsias ligeiras limitadas a certas fequências. Digo diminuição da audição no limiar da surdez.
Ambos usavam "aparelho" para poderem ouvir qualquer coisa e ambos só ouviam sons de intensidade elevada. Tinha-se de falar bem alto para ouvirem qualquer coisa.
Foram vistos em otorrino e o diagnóstico de otosclerose não deixou dúvidas aos colegas. Os doentes ficaram a saber que o ouvido interno sofria de "má circulação". Foram medicados com as coisas do costume com a eficácia do costume.
Anos depois ambos tiveram demências e, evoluídos nas demências, passaram a ouvir. Ouvir sem "aparelho" e em voz baixa.
Como se passa de otosclerose para audição normal?
Recentemente vi um jovem que entre outros problemas era incomodado por ouvir bem demais. Ouvia todos os pequenos sons que ocorriam próximo ou menos próximo. Os pais tinham de andar descalços em casa porque ele ouvia os passos e isso incomodava-o. Ouvia o clique dos botões dos electrodomésticos a grande distancia, o rodar das chaves nas portas a andares de distancia, o tilintar de talheres em divisões afastadas.
Por outros motivos, fiz com um colega psiquiatra uma conferência médica sobre este doente e tornou-se claro que o rapaz sofria duma psicose. O psiquiatra explicou-me que essa hiperaudição era vulgar nos psicóticos, tal como era vulgar uma acentuação marcada do olfato.
Discutindo os idosos tornou-se evidente que eles estavam na fase da demência em que há elementos psicóticos evidentes. Foi por isso que passaram a ouvir como jovens, antes do apagão definitivo das suas mentes.
Porquê? Que há no tratamento do sinal acústico nos psicóticos que "cura" a surdez?
Se se descobrir e se se descobrir como replicar esse fenómeno sem replicar a doença mental, resolveremos uma das disfunções que mais fazem sofrer os nossos seniors.
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